Com Marcos Valério, velha mídia tenta criminalizar ex-presidente Lula

Manipulação da revista Veja

A ENTREVISTA SEM ENTREVISTADO

O Chefe de Redação

A armação, combinada, é manjada: na sexta-feira, a Veja inventa um factoide para ser repercutido à noite no JN. Sábado e domingo, O Globo e Folha de S.Paulo reforçam o esquema com manchetes espalhafatosas. E, ao longo da semana, toda a mídia conservadora martela o assunto à exaustão. Foi assim com a nova tentativa de criminalizar o ex-presidente Lula com o objetivo de abalar seu prestígio político. As análises a seguir são de dois profissionais de Comunicação experientes e independentes, escaldados com a onda de mentiras e manipulações que varre a velha mídia para o esgoto.

O QUE O CASO MARCOS VALÉRIO CONTA SOBRE A VELHA MÍDIA

por Paulo Nogueira *

Na condição de jornalista independente e apartidário, pronto a reconhecer méritos e defeitos de FHC ou de Lula ou de quem mais for, não posso deixar de comentar o episódio Marcos Valério e Lula. Minha experiência em redação pode eventualmente ajudar o leitor a entender melhor o que vê publicado.

Na essência, este caso explica uma coisa: por que o poder de influência da grande imprensa se esvaiu tanto nos últimos anos.

Note: não faz tanto tempo assim, Roberto Marinho era tido como a pessoa mais poderosa do país, capaz de eleger ou não quem quisesse. Sucessivos presidentes machucavam as costas para se curvar a Roberto Marinho e obter seu apoio, tido como fundamental.

Pela terceira vez seguida, a Globo não foi capaz de eleger seu preferido para a eleição presidencial.

Todo o empenho de jornalistas em postos importantes da casa – de Kamel a Merval, de Noblat a Míriam Leitão, de Bonner a Waack, isso para não falar de colunistas como Jabor e entrevistados frequentes como Demétrio Magnoli – foi insuficiente para convencer os eleitores a votarem como a Globo queria que votassem.

Isso é um dado importante e objetivo: esforço não faltou. Faltou foi poder de persuasão. Faltou foi influência. Faltou foi um conjunto de argumentos que fizessem sentido. Não apenas para a Globo, evidentemente, mas para a grande imprensa como um todo.

Donos e editores já deveriam há muito tempo ter parado para tentar entender por que sua voz não está sendo ouvida. Você pode fingir que o problema está neles, nos eleitores. Ou pode enfrentar os fatos corajosamente e ver que correções deve fazer em sua trajetória.

Alguém já disse e repito aqui: maus editores fazem mais estragos para a imprensa estabelecida do que a internet.

E então chegamos a Marcos Valério. A notícia que parece incendiar os comentaristas políticos é a seguinte: Marcos Valério afirma que Lula era o chefe do mensalão. Mais precisamente: Marcos Valério teria afirmado.

Foi capa da Veja. Segundo Noblat, a Veja gravou uma fita com a acusação de Marcos Valério.

Vamos considerar o cenário mais favorável a quem é contra Lula: Marcos Valério de fato falou, e a fita existe.

Ainda assim: uma acusação de Marcos Valério tem valor de prova para que se publique e se repercuta com tanto calor? É legítimo publicar o que quer que Marcos Valério diga – sem evidências que as sustentem?

Se as há, se existe algo além da palavra duvidosa ainda que gravada de Marcos Valério, retiro tudo o que disse acima sobre o episódio. (Leio agora que a revista decidiu não publicar a suposta fita.)

Em países em que a sociedade é mais avançada, você precisa de muito mais do que as palavras de alguém para publicar acusações graves – ou terá que enfrentar a Justiça.

Foi o caso célebre de Paulo Francis.

Francis teve o azar de chamar diretores da Petrobras de corruptos em solo americano. Os acusados puderam processá-lo na Justiça americana. Onde as provas? Os amigos dizem que Francis morreu por conta do desgaste emocional deste caso, e acredito. Se o processo corresse na Justiça brasileira, não daria em nada, evidentemente.

Um dia o jornalismo brasileiro terá também que fazer uma autocrítica em relação ao caso Collor. Não que se tratasse de um caçador de marajás. Mas o que mais pesou em sua queda foram palavras – a famosa entrevista de Pedro Collor.

Estava certo publicar o que Pedro Collor afirmara como se fosse verdade indiscutível?

Na época, quando conversava com outros jornalistas sobre a capa de Pedro Collor, a pergunta que eu fazia era a seguinte: imagine que o irmão do presidente americano bate na redação do New York Times e conta histórias horríveis. O Times publicaria?

O público não deve entender como alguém que, segundo Pedro Collor, cometeu tantos crimes acabou sendo absolvido pelo Supremo Tribunal Federal e está aí, militando na política. Não havia provas, segundo o STF. Mas então qual a sustentação da entrevista de Pedro Collor? Palavras? É pouco.

No presente caso, pelo pouco que li, vi a velha cena tão comum nos últimos dez anos.

Uma acusação – ainda que partida de Marcos Valério, ainda que sem provas — vai tomando ares de extrema gravidade na grande imprensa. Alguém dá, e depois vem a repercussão previsível. Leio que Merval chegou a falar em cadeia.

O público não me parece tão convencido assim da importância do assunto. Observei que no site da Folha e do Estado o tema não é sequer o mais lido do dia. Ocupava, quando verifiquei, uma modesta quinta posição. Russomano – já nem lembro por que – despertava muito mais interesse no leitor.

O leitor não é bobo. Mas a mídia estabelecida o trata como se fosse, e sua perda de influência deriva, em grande parte, desse erro de avaliação.

Nos dezesseis anos que compreendem as gestões de FHC e Lula, o Brasil avançou consideravelmente. A grande imprensa, infelizmente, não conseguiu acompanhar este avanço.

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Paulo Nogueira é jornalista e está vivendo em Londres. Foi editor assistente da Veja, editor da Veja São Paulo, diretor de redação da Exame, diretor superintendente de uma unidade de negócios da Editora Abril e diretor editorial da Editora Globo.

Revista Veja Mente

MÍDIA HEGEMÔNICA QUER ACABAR COM O JORNALISMO

por Dennis de Oliveira *

Desde que a presidente da Associação Nacional dos Jornais (ANJ), Judith Brito, declarou que o papel da imprensa é agir como oposição ao governo (federal, bem entendido), a mídia hegemônica tem abandonado completamente os fundamentos básicos do jornalismo, subordinando-os quase que completamente a uma militância política.

Rigor na apuração, critérios os mais objetivos possíveis de construção das pautas e das manchetes, isenção na cobertura de eventos políticos que envolvem, necessariamente, polêmicas partidárias e ideológicas – tudo isto foi abandonado pela auto-decretação de ser oposição ao governo federal.

Para demonstrar esta ideia, dois casos emblemáticos podem ser classificados como verdadeiras aulas de antijornalismo.

Primeiro, o caso da suposta entrevista do publicitário Marcos Valério que diz que Lula sabia do caso do mensalão, numa clara tentativa de envolver o ex-presidente em um momento que a sua popularidade tem auxiliado candidatos petistas em eleições municipais e que o mesmo é um fortíssimo candidato a voltar à presidência da República.

A matéria que ganhou capa na edição passada da revista Veja – e foi repercutida por Globo e Folha de S. Paulo, repetindo o tripé base do partido midiático – foi produzida sem qualquer apuração aparente.

O advogado de Marcos Valério garantiu que o seu cliente não concedeu entrevista nenhuma, a própria revista diz que a matéria não foi produto de entrevista, mas de “conversas” do publicitário com terceiros a que a publicação teve conhecimento (!) por ouvir falar.

Depois circulou-se o boato de que o publicitário tinha dado a entrevista mas depois se arrependeu, a revista teria o áudio e ameaça divulgá-lo.

O mais interessante deste caso é a repercussão nas redes sociais entre profissionais mais ativos desta militância midiático-oposicionista: Ricardo Noblat, Merval Pereira (o mesmo que foi pego em documentos do WikiLeaks como uma “fonte” da embaixada dos EUA nas eleições presidenciais brasileiras) e Cristiana Lobo.

A publicação da matéria, a sua repercussão em redes sociais e colunistas, bem como em outros meios de comunicação, deixou bem nítida tratar-se de uma operação de cunho puramente ideológico e militante.

O segundo caso ocorreu na Folha de S. Paulo e portal UOL (da mesma empresa) no dia 15/09 com as manchetes: “Haddad diz que é degradante ser ligado a Dirceu, Delúbio e Maluf” (portal UOL) e, um pouco mais sutil, a “Haddad diz que associá-lo a José Dirceu é degradante” (Folha de S. Paulo).

Ao se ler a manchete, fica a impressão de que o candidato petista declarou publicamente que é degradante associar-se às pessoas mencionadas.

Mas o fato é outro. Trata-se de uma ação do comando da campanha petista contra a propaganda do candidato do PSDB, cuja argumentação da qual foram tiradas as manchetes dos dois veículos é: “A publicidade é manifestamente degradante porque promove uma indevida associação entre Fernando Haddad e pessoas envolvidas em processos criminais e ações de improbidade administrativa”.

Primeiro, que não foi o Haddad que disse e sim uma petição do advogado da campanha; segundo, que o adjetivo “degradante” está vinculado a estratégia publicitária questionada por se basear em uma INDEVIDA associação.

Na sequência da argumentação, o questionamento da assessoria jurídica da campanha de Haddad afirma que o candidato não é réu nas ações que envolvem as personagens citadas, não as nomeou para cargo algum e também compara se seria correto a associação do candidato José Serra ao seu correligionário Marconi Perilo, governador de Goiás, envolvido no escândalo do bicheiro Carlinhos Cachoeira.

Ora, a manchete de uma matéria como essa deveria se centrar no fato que é o questionamento de Haddad com a campanha de Serra ou até mesmo a negação do juiz eleitoral do pedido do candidato.

Há, portanto, um claríssimo objetivo na manchete de criar uma celeuma interna no PT e na coligação que sustenta o candidato petista. Ou ainda reforçar a estratégia tucana de colocar o caso do mensalão como um elemento central na disputa eleitoral.

O mais grave de tudo isso é que esta militância midiático-oposicionista eclipsa um debate de ideias alicerçado em fatos e dados e transforma o embate eleitoral em um combate irracional de “torcidas”.

Basta ver os comentários de leitores e visitantes dos sites destes órgãos como a coisa se desenvolve: as opiniões se centram na desqualificação do outro e não na proposição de ideias.

Disto para posições extremistas e preconceituosas é um pulo – aí não é estranho surgirem pessoas como Mayara Petruso (aquela aluna da FMU que propôs acabar com os nordestinos) ou a candidata tucana Dany Schwery.

É esta a “contribuição” para a democracia que a mídia hegemônica vem prestando.

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* Dennis de Oliveira é professor da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP).

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