Ali Kamel perde poder com mudanças no jornalismo da TV Globo
SUICÍDIO COM BOLINHA DE PAPEL
O fato, que a essa altura todos já devem ter tomado conhecimento: depois de 15 anos à frente do “Bom Dia Brasil”, Renato Machado é transferido do telejornal da manhã para ser correspondente em Londres. Chico Pinheiro, apresentador do “SPTV”, será seu substituto. Mariana Godoy também deixa a atração e se desloca para o “Jornal das Dez”, da GloboNews. Com isso, o telejornal paulista passa a ser comandado pelo repórter César Tralli.
O anúncio oficial foi feito nesta segunda-feira, 20, pelo diretor de jornalismo Carlos Henrique Schroder. As mudanças estão previstas para acontecer em setembro.
A análise, de Marco Aurélio Mello, durante anos editor do Jornal Nacional e conhecedor dos bastidores globais:
PLIM-PLIM: DECIFRANDO OS SINAIS
Chama atenção a dança das cadeiras na TV Globo por várias razões. Primeiro, quem fez o anúncio foi Carlos Henrique Schroder, o número dois, e não Ali Kamel, o número um.
Corre pelos corredores da emissora a notícia de que Ali atualmente não apita mais tanto quanto antes.
Contribuiu para a sua derrocada o tipo de jornalismo que empreendeu, desde que assumiu, centralizando as decisões e condicionando a cobertura à sua vontade (ou seria à vontade expressa do patrão?).
Outro episódio definitivo para a queda teria sido o “bolinhagate”, a tentativa de comprovar que o então candidato à presidência José Serra tinha sofrido um traumatismo craniano, depois de atingido por uma bolinha de papel.
Até o perito Ricardo Molina foi convocado às pressas para dar legitimidade ao caso, que atingiu em cheio a credibilidade da emissora.
Sabe-se que naquela noite o Jornal Nacional foi vaiado pelos próprios jornalistas e que, em Brasília, a exemplo do que aconteceu em São Paulo em 2006, a diretora de jornalismo Silvia Faria teria dito o mesmo que Mariano Boni em São Paulo, anos antes: “quem não estiver satisfeito procure a Record”.
Quem frequenta a emissora conta que, agora, raramente Ali desce do quarto andar onde se refugiou para escrever seus artigos, comprar suas polêmicas e processar seus “detratores”.
Agora há dois subalternos que fazem o serviço para ele no Jornal Nacional: Renato Ribeiro (ex-editor chefe do Jornal Nacional) e Luis Claudio Latgé (ex-diretor de jornalismo de São Paulo).
Ali só é consultado quando o assunto é muito cabeludo.
O sinal já havia sido dado no começo do ano, quando o diretor superintendente Octávio Florisbal anunciou, alto e bom som, que o jornalismo da emissora ia mudar.
Recente pesquisa mostra preocupação com os índices de audiência do jornalismo, sobretudo no periodo matutino onde, não raro, a emissora amarga o segundo lugar durante toda a manhã.
Não por acaso a dança das cadeiras começou por Renato Machado, que será uma espécie de embaixador em Londres.
Para quem gosta de vinho e música clássica, como ele, é um prêmio e tanto para quem se dedicou 15 anos ao Bom Dia Brasil, acordando às 4 horas da manhã. Renato estará a um passo de Paris, Geneve, Roma e Frankfurt. É tudo o que ele sempre pediu a Dionísio.
Para o seu lugar assume Chico Pinheiro. O veterano jornalista e apresentador vai tentar popularizar o jornal. Está sendo reabilitado depois de amargar uma geledeira no SPTV.
É sinal também de que a emissora está disposta a atrair os extratos mais à esquerda do espectro político de seu público. Chico – como antítese de Renato – é a MPB e a caipirinha no poder.
Outra veterana da apresentação, Mariana Godoy, segue agora para o Jornal das 10 da Globo News, reflexo do incômodo causado pela chegada de Heródoto Barbeiro à Record News.
Para o seu lugar vai César Tralli, que realiza um sonho antigo, que é ocupar uma bancada de telejornal.
Na reportagem ele se consagrou, mas pagou um preço muito alto: os colegas detestam seu estilo e seus modos, considerados por muitos bastante pragmáticos, se é que podemos dizer assim.
Se a volta de Schroder pode aplacar os ânimos? Só o tempo dirá. Minha aposta é que sim. Ele tem o apoio da família Marinho e uma capacidade de sobrevivência invejável. Ele pode ser reabilitado e quem sabe a emissora faça as pazes com a notícia.
Talento dos colegas e recursos técnicos não faltam. Mas como na Globo tudo demora um pouco, as mudanças só virão quando entrar setembro.
Portanto, o inverno tem tudo para ser quente.
Marco Aurélio Mello é editor do blog DoLaDoDeLá
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