Pirata é quem se apropria da produção intelectual coletiva

Dilema do Pirata nos Estados Unidos

Do Blog Chefe de Redação

Grandes oligopólios controlam as nossas indústrias e os nossos governos. Apenas seis grupos decidem tudo o que podemos ver e ouvir nas mídias tradicionais e eletrônicas através de seus tentáculos empresariais. 100 das 150 maiores economias do planeta não são Nações, mas sim empresas. Isto é encarado como a coisa mais natural do mundo e não como aquilo que de fato é: um escândalo. Por trás deste sistema econômico ineficaz chamado “mercado” é que se escondem os verdadeiros “piratas”, que se apropriam da produção intelectual da coletividade através dos “direitos autorais”.

A esperteza, desde o início:

“Muitos inovadores da Humanidade poderiam ser considerados “piratas” no seu tempo. Por exemplo, quando Thomas Edison — o verdadeiro gênio da lâmpada — inventou o fonógrafo há mais de 130 anos, os músicos nos EUA espernearam, nossa, e como!

Foi feia a coisa: partiram para a guerra verbal, fizeram campanha contra, acusaram o cara de ser um pirata malandro, que pretendia mesmo era roubar o seu trabalho, destruir o negócio da música ao vivo, aquelas coisas e tal.

O pau quebrou até que um acordo de paz selou um novo sistema, conhecido hoje como “indústria fonográfica”. Todo mundo passou, então, a receber uma graninha básica — ou seja, os famosos “royalties” — e, no fim das contas, tudo acabou em jazz.

Só que, logo em seguida, Edison resolveu inventar o cinema e, como de bobo não tinha nada, também passou a cobrar licenças a quem usasse a sua nova tecnologia para filmar. Foi outra confusão, imagina, porque ninguém queria pagar.

Aí um bando de cineastas rebeldes, incluindo um sujeito chamado William, pulou fora da gelada Nova York e partiu em direção ao “velho oeste”. Lá longe, na ensolarada Califórnia, o grupo enriqueceu espertamente sem pagar um tostão ao Edison, até que as patentes expirassem.

Hoje em dia, os descendentes dos tais “piratas” disputam legalmente o Oscar em produções milionárias na cidade que seus antepassados fundaram: Hollywood. Agora, só de curiosidade, sabe qual era o sobrenome do tal William? Fox — sim! — do atual estúdio 20th (Twentieth) Century Fox…”

— Corta!!!

O conteúdo dessa deliciosa estorinha merece sempre ser recontado e repassado adiante. Ele foi extraído do livro O Dilema dos Piratas: Como a Cultura Jovem Está Reinventando o Capitalismo”, lançado há uns dois anos por Matt Mason, um auto-proclamado economista “frustrado” e ex-DJ de rádios piratas da Grã-Bretanha.

Matt é um cara do bem e sua tese bastante lúcida: em vez de ladrões, na verdade, os chamados piratas tinham mesmo é que ser reconhecidos como os precursores de grande parte dos movimentos sociais, tecnológicos e culturais da Humanidade. Na medida em que são inovadores, eles expõem os gargalos do mercado e indicam os caminhos para novos modelos de negócios.

Sob esta ótica, então, a pirataria digital e a cultura do remix — como o YouTube, Open Source, Creative Commons, Wikipedia, hip-hop, raves e o graffiti, entre tantos exemplos — seriam os novos motores de transformação da sociedade, por reinventar a forma como produzimos e trocamos informações. O dilema do autor mencionado no título se resume a uma espécie de angústia remixada de Hamlet: “Competir (com os piratas) ou não competir, eis a questão”.

O tema ganhou mais atualidade ainda — quem não se lembra? — com a perseguição a que foi submetida a rapaziada responsável pelo The Pirate Bay, num feroz e desigual combate promovido nos tribunais da Suécia por uma alegada acusação de desrespeito aos chamados “direitos autorais“.

O grande paradoxo desse rolo todo é que os patrocinadores da denúncia são as poderosas gravadoras de músicas e estúdios de cinema. Ou seja, justamente aquela turma barra-pesada que — por ironia do destino — só conseguiu viabilizar suas atividades, lá se vai um século e tanto, e mesmo assim através da mais explícita pirataria.

Talvez seja este, afinal, o grande problema que o mundo enfrenta hoje em dia: a hipocrisia – o que um dia foi bom para alguns, hoje não pode mais valer para todos.

Na realidade, defende Matt, o ideal seria que houvesse mais piratas, gente capaz de pensar fora dos padrões convencionais, das fronteiras instituídas e sem qualquer tipo de aversão ao risco. Caso contrário, todos nós é que estaremos ameaçados de sufocar debaixo da ditadura do conformismo e da submissão.

Leia este trecho do livro e tente achar um ponto só para discordar:

O DILEMA DO PIRATA: COMO RESOLVER O PROBLEMA COM A INFORMAÇÃO

Por Matt Mason

“Tal como a luz confunde os cientistas ao existir simultaneamente sob a forma de ondas como de partículas, a informação tende a nos confundir cada vez mais. A informação fica ao mesmo tempo mais barata e mais cara e parece que muitos de nós, em especial aqueles que possuem ou controlam uma grande parte dela, já não sabem como observá-la ou utilizá-la.

Vivemos num mundo em que uma empresa tem o “direito” de patentear porcos — ou qualquer outro ser vivo à exceção de um ser humano –, mas onde copiar um simples CD que compramos para o nosso disco rígido é considerado uma apropriação indébita dos direitos de outros.

Um mundo onde um cidadão comum cumpridor da lei pode acabar devendo mais de 12 milhões de dólares em multas num só dia caso seja processado por cada vez que infringe algum direito autoral mesmo que acidentalmente. Uma sociedade onde é aceitável que cada um seja bombardeado por 5 mil mensagens publicitárias a cada 24 horas, sem autorização, mas em que criar uma obra de arte e exibi-la em público sem permissão pode nos levar para a cadeia.

Não se trata de uma mera questão de pesar os prós e os contras do compartilhamento de arquivos — mas de toda uma espécie (humana) que perde o sentido da realidade e deixa de compreender o potencial de um dos seus mais preciosos — e porém, mais abundantes — recursos.

Muitos de nós se perguntam se as nossas ideias deviam ser consideradas informação ou propriedade. Quando temos uma nova ideia, duas forças opostas encontram-se em funcionamento.

Ao mesmo tempo em que pensamos como é que poderemos divulgar essa ideia, também nos perguntamos como será possível tirar partido dela ou como transformá-la em fonte de ganhos financeiros. Queremos não só que as ideias se propaguem sob a forma de informação, como também que elas se transformem em capital sob o manto protetor da propriedade intelectual.

Este é problema com a informação que eu chamo de Dilema do Pirata.

O controle dos oligopólios

A primeira coisa que precisamos compreender é que a decisão de como compartilhamos a “nossa” informação não cabe sempre unicamente a “nós”.

Se uma companhia farmacêutica decide que não irá compartilhar os seus medicamentos contra a malária e os anti-retrovirais para a AIDS com uma nação em desenvolvimento por um preço que os doentes desse país possam pagar, esse país poderá quebrar as proteções da patente e fabricar as suas próprias cópias piratas dos medicamentos de forma a salvar vidas.

Se uma indústria dependente de informação física, controle da distribuição e escassez artificial resolve ignorar formas mais eficientes de distribuir determinada informação que considera ser sua propriedade, então os piratas irão preencher essa lacuna e demonstrar que existe uma melhor forma de se fazer as coisas.

O caso das indústrias fonográfica e cinematográfica é emblemático. A pirataria está na vanguarda da inovação, uma inovação que passa por todos os meios necessários.

Grandes oligopólios controlam a maioria das nossas indústrias e dos nossos governos. Apenas seis grupos decidem tudo o que podemos ver e ouvir nas mídias tradicionais e eletrônicas através de seus tentáculos empresariais.

Segundo dados do Banco Mundial, em 2007 pelo menos 100 das 150 maiores economias do planeta não eram nações, mas sim empresas. Isto é encarado como a coisa mais natural do mundo e não como aquilo que de fato é: um escândalo.

Todos sabemos que o sistema não funciona exatamente da maneira como é suposto funcionar e, contudo, continuamos a considerar que este sistema ineficaz que nós temos é “mercado livre”.

Uma sociedade melhor

Os piratas derrubam os sistemas ineficazes substituindo a ordem por um caos temporário. Mas a longo prazo, a pirataria em grande escala acaba por dar origem a um sistema melhor — uma forma mais eficaz de se fazer as coisas. Piratas criaram muitas das nossas ordens estabelecidas a partir do caos e agora que estas indústrias se revelam ineficazes devido às novas tecnologias, o caos surge de novo.

Muitos de nós — desde diretores executivos de grandes empresas a artistas desconhecidos, tanto na saúde quanto no entretenimento, passando pela educação — enfrentamos o problema de ver a “nossa” propriedade intelectual compartilhada e usada por outros sem autorização. Isto implica uma mudança de atitude, dado que por vezes a pirataria não é o problema mas sim a solução.

Na verdade, a pirataria é um sinal para o mercado — um aviso prévio que é frequentemente ignorado pelas indústrias estabelecidas. Quer nos consideremos piratas ou profissionais, todos competimos no mesmo espaço.

Quando os piratas penetram nos espaços do mercado dominados por grandes grupos, há duas opções: podem ser processados e pode ser que desapareçam. Mas e se esses piratas estão de alguma forma acrescentando valor à coletividade? Se esses piratas fazem algo realmente útil, as pessoas passam a apoiá-los e o braço armado da lei não irá funcionar.

Não importa o número de pessoas que forem processadas, os piratas continuarão a regressar e a se multiplicar. E a verdade é que se as ações judiciais se tornarem um elemento essencial do modelo de negócio, então as empresas deixaram de ter um modelo de negócio — a menos que sejam escritórios de advocacia.

Porque nestes casos, o que os piratas estão de fato alcançando é demonstrar que existe uma forma melhor de se fazer as coisas; eles encontram falhas fora do mercado — e formas de melhorar o funcionamento da sociedade.

Nestas situações a única forma de combater a pirataria é legalizar as inovações através da interatividade com os piratas. Uma vez legitimado o novo espaço de mercado, surgem então mais oportunidades para todos.

Foi assim que a televisão a cabo começou. É por isso que muitos medicamentos são atualmente vendidos a preços que as pessoas no Terceiro Mundo podem pagar. E é assim que muitas novas oportunidades são criadas hoje em dia.

Os piratas propõem uma única escolha. As empresas podem combatê-los nos tribunais ou competir ombro a ombro com eles no mercado. Competir ou não competir, essa é a questão; esse é o Dilema do Pirata.”

* * *

Blog Chefe de Redação

4 comentários em “Pirata é quem se apropria da produção intelectual coletiva

  • 18 de junho de 2010 em 17:06
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    hehehe. a bandeira estah perfeita. tudo a ver.

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  • 18 de junho de 2010 em 16:00
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    Essa bandeira estadunidense em código de barras é simplesmente antológica.
    Já copiei para ilustrar minhas mensagens e vou espalhar feito doida por aí.
    Obrigada, adorei.

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  • 12 de junho de 2010 em 13:01
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    Belo texto, baita postagem, a imagem tem tudo a ver. Aprendi muito pois não conhecia direito essas picaretagens. Depois eles ficam impondo regras… contra os outros, claro. Valeu.

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  • 9 de junho de 2010 em 09:34
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    Mr. William Fox… quem diria, hein? Tremendo pirata. Ô raça!

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