China ultrapassa EUA como superpotência mundial. E agora?

China ultrapassa Estados Unidos como potência

O QUE ISTO SIGNIFICA?


O Chefe de Redação

Faltam menos de quatro anos. Até 2016, se tanto, a China vai destronar os EUA do posto de maior potência econômica do planeta. Os produtores de cultura, por enquanto, ainda não conseguiram se entender quanto a esse futuro, ao mesmo tempo tão próximo e nebuloso.

COMO SERÁ O MUNDO QUANDO A CHINA TOMAR O LUGAR DOS EUA?

Por Victor de Andrade Lopes *

Na América do Norte, é quase um clichê na ficção científica tornar o Japão e a Coreia superpotências do futuro.

Da primeira novela cyberpunk de William Gibson, Neuromancer (mesmo título no Brasil) até o Cloud Atlas (A Viagem, no Brasil transformado em filme homônimo), somos bombardeados com imagens de um mundo hiperfuturista econômica e culturalmente dominado por esses países asiáticos.

E, ainda, apesar de intensos debates políticos e (um certo terrorismo) em cima do crescimento da China sobre os EUA, nós raramente vemos histórias de ficção-científica que mostram os chineses se tornando uma superpotência.

É como se tivéssemos medo de imaginar na ficção o que os candidatos à presidência norte-americana discutiram repetidamente em seus debates.

Até o remake de Red Dawn (Amanhecer Violento, no Brasil) foge do futuro da China: o filme era sobre uma invasão chinesa, mas o enredo foi alterado para que os invasores fossem os norte-coreanos.

Mesmo assim, há histórias como o filme Looper (Looper: Assassinos do Futuro, no Brasil) e a obra China Mountain Zhang, escrita por Maureen F. McHugh e passada num futuro em que a China conquistou mais espaço que o Ocidente.

Alguns temas emergem de histórias como essas, aonde a maior parte da ficção norte-americana e canadense teme ir.

Dominação da China

CHINA NO TOPO DO MUNDO

Maureen, que viveu na China por um tempo, usou o futuro daquele país como o espaço de várias de suas histórias.

A sua premiada obra China Mountain Zhang foi lançada logo após o primeiro livro de uma série de David Wingrove sobre a escalada da China como uma superpotência, chamada Chung Kuo. A diferença entre as visões dos autores é forte.

Em China Mountain Zhang, Maureen imagina uma China transformada pela riqueza e pela tecnologia, um lugar aonde pessoas jovens do Ocidente querem ter educação e oportunidades.

Neste caminho, o futuro da China é similar ao que vimos em Looper. Ainda é um país que luta contra o autoritarismo, mas como os Estados Unidos hoje, é uma expansão de contradições sociais e pontos de vista divergentes.

David, contudo, escolheu imaginar um futuro mais mítico para a China, com seus personagens sempre estereotipados agrupados em duas facções que estão presas em uma luta entre comunismo e capitalismo.

Mas para Maureen e o diretor/roteirista de Looper, Rian Johnson, o futuro da China é diverso.

É um amálgama de comunismo e capitalismo, existindo como companheiros de cama apreensivos, do mesmo jeito que a economia abastecida pela ciência e as políticas dominadas pelo cristianismo nos EUA atual.

O filme independente Ghosts with Shit Jobs (Fantasmas com Trabalhos de Merda), que se passa em Toronto no futuro, aprofunda as ideias de Maureen.

China conquista espacialCom forte cunho satírico, o filme imagina o que pode acontecer se o ocidente falisse enquanto a China escalasse para a dominância econômica.

Uma equipe de filmagem chinesa chega ao Canadá para descobrir como é a vida de todos aqueles pobres ocidentais que aceitam aqueles “trabalhos de merda” terceirizados por ricas empresas chinesas.

A China basicamente virou os Estados unidos, e a América do Norte virou uma espécie de mistura do que hoje é a Índia, a China e a Europa Central.

CHINA: NOSSA MELHOR ESPERANÇA

Talvez a mais utópica dessas histórias devotas ao crescimento da China seja The Diamond Age (A Era do Diamante, em tradução livre).

Nele, Neal Stephenson sugere que o mundo deve ser salvo pelas mulheres chinesas hipereducadas.

Obviamente, a mensagem do livro é bem mais complicada do que isso, mas de qualquer maneira ela termina com uma das mais impressionantes imagens da ficção sobre a influência da China.

As garotas Han que foram abandonadas por suas famílias na China se organizam usando um sistema de ensino por e-books extremamente avançado chamado A Young Lady’s Illustrated Primer (Cartilha Ilustrada de uma Jovem Senhorita, em tradução livre).

Armadas com todo o conhecimento de que precisam para se tornar engenheiras, cientistas e líderes, elas formam um vasto grupo chamado Mouse Army (Exército do Rato).

Quando a novela acaba, elas já se espalharam por todo o mundo. Não é claro o que elas vão fazer, mas parece que elas serão justas e ninguém poderá pará-las.

Este é um tema para o qual Neal retorna em seu conto Reamde, passado num futuro próximo, no qual as mulheres chinesas são novamente representadas como parte de personagens mais espertas e capazes.

Nós vemos outra versão esperançosa da China em alguns trabalhos de Kim Stanley Robinson.

Em The Years of Rice and Salt (Os Anos de Arroz e de Sal, em tradução livre), ele cria uma história alternativa em que pragas medievais dizimaram quase toda a população da Europa.

Como resultado, o cristianismo tornou-se uma religião diminuta, e a América do norte é colonizada por exploradores chineses e japoneses.

De fato, os americanos são conhecidos por nomes chineses. O mundo é dominado pelo islã, o confucionismo e o budismo – e eventualmente uma tensão causada pelo islã feminista ajuda a reformar várias nações.

Bandeira da China

No trabalho de Kim, assim como no de Maureen, nós vemos a dominância cultural chinesa como uma mistura de muitas tradições culturais e ideais. Mas no trabalho de Kim, o mundo é, discutivelmente, um lugar melhor para viver, enquanto que Maureen é ambivalente.

Na obra recente de Kim, 2312, a China colonizou Vênus e iniciou um processo de geoengenharia no planeta de maneira que ele tenha um clima terráqueo.

Há um senso de que esse projeto gigantesco seja reflexo dos projetos desastrosos de Mao – mas em vez de matar pessoas, este está criando um lugar melhor para elas.

Apesar de que o planeta Vênus chinês é uma região política conturbada, ele é certamente melhor do que a Terra na novela.

EM TODOS OS LUGARES, MAS INVISÍVEL

Um dos mais conhecidos exemplos de ficção científica sobre o crescimento da China é o seriado de TV de Joss Whedon, Firefly (Vagalume, em tradução livre).

Apesar de todos os personagens falarem inglês, comerem comida chinesa e aparentemente viverem em um universo dominado pela cultura chinesa, nós nunca encontramos ninguém que sequer remotamente se pareça chinês.

Esta omissão foi bastante comentada, e Firefly é um perfeito exemplo do medo e da confusão que espreitam o coração das representações ocidentais do poder chinês.

Pode-se imaginar que a China vai eventualmente dominar a cultura humana, mas de alguma maneira não se consegue visualizar em detalhes de como isso funcionará.

Tampouco se pode parar de acreditar que as características ocidentais vão dominar aquele futuro de alguma maneira, mesmo quando ele pertence à China.

Invasão de produtos chinesesEm 1930, o famoso autor de ficção científica Olaf Stapledon publicou Last and First Men (Os Últimos e Primeiros Homens, em tradução livre), outra novela sobre o domínio invisível chinês.

Nesta futura e época história da humanidade, a China vence a América e se torna a cultura humana dominante – até que os humanos evoluem para uma nova espécie (os segundos homens, os terceiros homens, e assim vai).

Então há uma história sobre o domínio chinês, mas desde então ela sumiu e ficou na pré-história da pós-humanidade.

OLHOS OCIDENTAIS

É importante lembrar que essas fantasias não são o mesmo tipo de fantasia que se espera ver na própria China. A ficção científica é muito popular na China, mas infelizmente poucas obras foram traduzidas para o inglês.

Não é surpreendente saber que uma das histórias chinesas de ficção científica mais bem conhecidas no ocidente é The Golden Age: China 2013 (A Era Dourada: China 2013, em tradução livre), um conto distópico que foi banido no país asiático.

Ele fala sobre como o governo chinês reprime sua dissidência drogando todos no país e causando amnésia nacional, de modo que ninguém se lembre do movimento de protesto.

A história – que interessou aos dissidentes chineses e aos ocidentais – combina bastante com as ideias ocidentais populares sobre a China como um país cujo autoritarismo levará a um futuro de abusos políticos ainda maiores.

Ainda, olhando para as novelas e filmes citados aqui, pode-se ver que a ficção norte-americana sobre o grande futuro da China é uma versão distorcida da América de hoje – cheia de riquezas e oportunidades, mas marcada por uma história de conflitos e conquistas violentas.

* No Jornal Ciência

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *