China comunista: centro mundial do capitalismo mais selvagem

China comunista e globalização capitalista

EXPLORAÇÃO BRUTAL DO TRABALHO


O Chefe de Redação

Do equivalente a R$ 1.116,00 que custa um iPhone 4 lá fora, 670 reais correspondem à margem de lucro para a Apple, 434 são gastos com componentes e custos diversos e meros 12 reais como pagamento pela montagem. Tendo em conta que os custos do trabalho representam apenas uma fração dos custos de montagem, isso dá uma ideia da proporção da exploração na China e permite perceber que não foi o gênio de Steve Jobs, por grande que fosse, o que o tornou rico. Foi algo muito pior.

O INFERNO NA FÁBRICA DO MUNDO

por Ricardo Coelho *

A China é um país de contradições. Comunista no nome, é hoje o centro do capitalismo mais selvagem.

Ditatorial no regime, o seu governo é recebido com todas as honras no mundo democrático. Uma economia dirigida pelo Estado, alberga uma elite corrupta que explora a população.

Mas as contradições são apenas aparentes. No mundo dos negócios, a procura do lucro vale sempre mais que o respeito pelas pessoas. Logo, não surpreende ver os partidos do centro a vergar-se perante um regime político que tanto criticam.

No mundo da ortodoxia, a aparência vale mais que a essência, portanto não surpreende ver muitos comunistas ainda mal refeitos da queda da URSS a vergar-se perante o Partido Comunista Chinês. Só não se verga perante a China quem não põe os seus princípios à venda e isso é algo raro no panorama político atual.

Não é fácil encontrar as palavras certas para descrever o horror que enfrentam diariamente os trabalhadores chineses que produzem muitos dos bens que consumimos por aqui. Podemos, contudo, ter um retrato parcial da situação através de uma excursão pelas várias dimensões da exploração laboral.

Comecemos pelas mortes no trabalho. Nas fábricas chinesas, onde muitos trabalhadores têm de trabalhar 26 dias por mês, 12 horas por dia, e suportar turnos de 24 horas ou mais, é tão comum alguém morrer de cansaço que até criaram uma palavra para isso: “gulaosi”.

A estas mortes há que acrescentar os suicídios no local de trabalho. No ano passado, a Foxconn, fornecedora de componentes para a Apple, tornou-se famosa por registar 11 suicídios num ano.

Quantas mais mortes por desespero ocorrem na China é impossível saber, mas a resposta que a empresa deu ao sucedido – primeiro obrigar os trabalhadores a assinar um acordo prometendo que não se iriam suicidar e depois investir em máquinas para reduzir o número de trabalhadores — é ilustrativo de como este tipo de problemas é resolvido no país conhecido como “a fábrica do mundo”.

Condições de trabalho na China

Passemos para a escravatura.

A China conta com um sistema de prisões que incorpora cerca de 1.000 “Laogai”, campos de trabalho em que se amontoam dissidentes políticos, membros de religiões proibidas e condenados por crimes comuns.

Mais que prisões, os “Laogai” fazem parte de uma rede de indústrias que fabrica todo o tipo de produtos baratos para venda em países ocidentais, usando trabalho não remunerado. As condições de trabalho nestas prisões são extremamente árduas e muitos não sobrevivem ao tormento.

Olhemos ainda para os acidentes no trabalho.

Em 2003, o governo chinês estimava em 70 mil o número de mineiros de carvão que todos os anos se juntam à longa lista de doentes de pneumoconiose dos carvoeiros e admitia que 80% das mortes em minas de carvão se davam na China.

Em 2005, estatísticas oficiais apontavam para mais de 655 mil acidentes de trabalho. Estes números, apesar de aterradores, estarão certamente muito subestimados, sendo impossível obter estatísticas corretas num país em que o governo impede a entrada de observadores externos.

Vejamos então a intensidade do trabalho.

O ritmo de trabalho nas fábricas chinesas faz com que o trabalho de Charlie Chaplin no famoso filme Tempos Modernos pareça uma brincadeira.

Nas fábricas da HP, por exemplo, os trabalhadores têm de executar uma ação a cada três segundos, trabalhando dez horas por dia sem direito a qualquer pausa. Este tipo de situação é comum, com o controle sobre o corpo dos operários, estendendo-se à regulação estrita do tempo que têm para se servirem dos banheiros.

Quanto à proteção no trabalho, pode-se dizer que é inexistente.

Quem tiver um acidente no trabalho e ficar sem um membro está condenado à miséria para o resto da vida. O mesmo para quem está no desemprego.

O poder do patronato sobre o trabalho é quase total, não existindo o direito à greve ou à proteção contra demissões sem justa causa.

A discriminação por gênero, idade, etnia ou até altura e peso é extremamente comum, apesar de proibida. No país existe apenas uma central sindical, controlada pelo governo.

Terminemos a nossa excursão com a remuneração do trabalho.

O salário mínimo varia de região para região, indo do equivalente a R$ 210 em Chongqing a 388 reais em Shenzhen.

Em qualquer dos casos, a quantia mal dá para sobreviver, pelo que os trabalhadores não podem comprar o que produzem.

Segundo estimativas da empresa de estudos de mercado iSuppli, do equivalente a R$ 1.116,00 que custa um iPhone 4 lá fora, 670 reais correspondem à margem de lucro para a Apple, 434 são gastos com componentes e custos diversos e meros 12 reais como pagamento pela montagem.

Tendo em conta que os custos do trabalho representam apenas uma fração dos custos de montagem, isso dá uma ideia da proporção da exploração da mão-de-obra e permite perceber que não foi o gênio de Steve Jobs, por grande que fosse, o que o tornou rico.

Linha de produção chinesa

Face à voracidade da concorrência mundial, a exploração do trabalho na China tem mesmo vindo a agravar-se. Enquanto em 1990 cerca de 61% da riqueza produzida era distribuída em rendimentos do trabalho, essa percentagem tinha descido para 53% em 2007. Para efeitos de comparação, nos turbo-capitalistas EUA a percentagem era de 66%.

Não admira, portanto, que as famílias chinesas não tenham como oferecer às suas crianças os brinquedos da Mattel e da Disney que muitas famílias ocidentais compraram no Natal.

Quem mais se beneficia com a redução da população chinesa à condição de mão-de-obra barata são as multinacionais sediadas nos EUA, na União Europeia ou no Japão.

Estas empresas se dão bem duplamente com a exploração laboral na China: de um lado, porque conseguem baixar o custo de produção dos seus produtos e assim baixar os preços e aumentar as margens de lucro; de outro, porque conseguem comprimir o aumento dos salários no seu país de origem, pela descida do custo de vida e pela chantagem da deslocalização.

Não surpreende, portanto, que estas empresas tenham impulsionado a liberalização do comércio mundial, como não surpreende que estas empresas se tenham oposto à implementação de um código trabalhista mínimo na China, em 2008.

Durante décadas, ouvimos representantes de empresas e governos ocidentais prometer que a abertura da China ao capitalismo globalizado traria mais liberdade, mais democracia e melhor nível de vida para a sua população. Hoje, é extremamente claro que aconteceu o oposto.

Se um código de trabalho mínimo acabou por ser aprovado, se em algumas fábricas os salários têm aumentado e se os abusos às leis trabalhistas têm sido minimamente combatidos, isso deve-se à luta heróica e vitoriosa de tantos trabalhadores chineses que têm se revoltado, ocupando fábricas e organizando protestos.

A luta pelos direitos do trabalho na China oferece-nos três grandes lições para o futuro.

A primeira é que é possível resistir e lutar por uma vida melhor mesmo quando o contexto é extremamente adverso a mobilizações populares.

A segunda é que a perpetuação do consumismo nos países ricos depende fortemente da escravização de populações inteiras.

E a terceira é que a luta contra a exploração do trabalho na China está interligada com a mesma luta nos demais países do mundo – nós lutamos pelos seus direitos, eles lutam pelos nossos.

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* Ricardo Coelho é economista, especializado em Ambiente e Recursos Naturais

2 comentários em “China comunista: centro mundial do capitalismo mais selvagem

  • 2 de fevereiro de 2012 em 12:34
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    Em toda teoria temos que apresentar o outro lado. Como seria possível, em um sistema que visa o lucro (admitamos), empregar as mais de 500 milhões de pessoas em idade de trabalho da china sem que o salário seja baixo? O governo não tem como exigir muito melhores condições aos empregadores senão grande parte dos funcionários teria que ser demitida para manter taxas de lucro. Não nos esqueçamos também que parte do valor cobrado por um equipamento eletrônico é destinado ao pagamento da pesquisa a que eles são necessários e conhecimento é caro.

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    • 20 de agosto de 2015 em 12:21
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      Que os detentores do conhecimento sejam menos avarentos, menos egoístas, menos vaidosos, afinal, pra que acumular tanto bem na terra se um dia vão tudo pra debaixo da terra, como esses coitados?

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