Uma análise equilibrada sobre os protestos no Brasil em junho de 2013

JUNTANDO AS PEÇAS DO QUEBRA-CABEÇAS

Black Bloc

Reza a lenda que o líder chinês Chu En-Lai, em 1972, ao ser questionado sobre a Revolução Francesa, teria respondido que ainda considerava ‘muito cedo’ para compreender todos os seus desdobramentos.

E agora, não 200 anos, mas poucos meses após os protestos de junho, já é possível fazer uma análise equilibrada do movimento, não manipulada pelos grupos de extrema-direita que dele se apropriaram?

MANIFESTANTES SÃO INDIVIDUALIZADOS, MAS NÃO INDIVIDUALISTAS

Os manifestantes que foram às ruas contra tudo isso que está aí podem ser ingênuos em certas demandas, mas não podem ser subestimados.

É o que defende o cientista político Marco Aurélio Nogueira, que acaba de lançar o livro “As Ruas e A Democracia” (Editora Contraponto).

Professor titular de Teoria Política da Unesp, Nogueira diz que os protestos demonstraram uma “certa confusão” entre direitos de cidadão e direitos do consumidor diante do Estado.

Essa confusão, afirma, é resultado de uma cultura individualista segundo a qual o mercado é “parâmetro para tudo”.

“Jogamos tudo em torno do custo-benefício: o que ganho com isso? O que ganho com a escola? O que ganho com o empregado? Isso modelou a nossa cultura política, nossa cabeça. E passamos a ter dificuldade de preservar ou entender o que é espaço público e o espaço privado”.

PASTORES E OVELHAS

Segundo o autor, “o fato de as pessoas se tornarem consumidoras e se comportarem como clientes pode fazer parte do caminho em direção à cidadania”.

“Consumidor todo mundo é e, como consumidor, temos direitos a serem respeitados. O problema é quando olhamos o Estado como clientes. Nós, brasileiros, não fomos bem educados para a vida pública. É um problema crônico. Entre a vida privada e a vida pública, escolhemos a vida privada. Tanto que a vida privada tomou conta da vida pública”.

Para ele, no entanto, não se pode “satanizar” essa postura.

A atual geração, diz, é composta por grupos “individualizados”, mas não necessariamente “individualistas no sentido do predador, que só pensa nele, é pouco colaborativo, é pouco solidário ou pouco comunitário”.

“O cara é individualizado no sentido de não se deixar orientar pelos comandos dos grupos. Ele tem a própria cabeça. Ser individualizado é uma consequência da estrutura da vida. As pessoas ficam soltas dos grupos. Não se obedece mais os pais, o padre, o pastor – alguns obedecem até demais, mas não é típico do mundo”.

CONVERSÃO DA MANADA

O que é típico, então, do mundo em que vivemos?  “É a pessoa autossuficiente”, responde ele: “Vivo sozinho, sei me orientar, e peço conselhos quando achar que é o caso, não venha você pai, mãe, tio, avô, chefe do partido ou presidente da República dizer o que eu tenho de fazer. Eu sei das minhas escolhas”.

Neste sentido, afirma, há um efeito positivo no processo de individualidade na geração atual: a conversão da manada em uma coletividade de indivíduos.

“A manada é uma estupidez. A ordem unida pode servir para a guerra, como foi o fascismo. Todo totalitarismo é baseado em uma lógica de manada, com todo mundo junto, agitando a mesma bandeira. Aqui foi diferente. E o fato de nos afastarmos disso mostra um enorme avanço em termos de cultura política”.

Segundo o autor, junho de 2013 pode ter evidenciado um novo parâmetro deste comportamento. “Quem foi para a rua queria tornar as ruas públicas, e não privatizar as ruas”.

O PESO DA DIREITA

O cientista político minimiza a suposta instrumentalização das manifestações por grupos conservadores.

“A manifestação foi instrumentalizada pela direita? Sim. Mas tem que se discutir o que é direita e a força que ela tem no Brasil. Que eu saiba, ela não tem força alguma”.

“Foi uma explosão”, continua. “Não havia ninguém comandando. Não tinha partidos por cima, nem por trás. De milhares, virou milhões. Teve um efeito de solidariedade, inclusive, contra a repressão policial”.

“Agora, as ruas têm as suas dificuldades, como as ruas de qualquer cidade”, continua.

“No Brasil, vivemos em uma situação de ‘indigência política’, as ruas ficam sem controle político, e com dificuldade de se estabelecer uma agenda para o País. É o local das multidões, que têm múltiplas agendas”.

“Se não houver algo na política que se ligue às ruas – raciocina -, as ruas ficam sem agenda. Este é o desafio de agora para o ano que vem, quando a eleição deve colocar tudo isto na mesa e novos protestos devem acontecer, talvez não com as mesmas dimensões.”

BLACK BLOCS

No livro, Nogueira contesta a postura dos Black Blocs durante os protestos.

“Há grupos que vão às ruas sem bandeira, para detonar o sistema, com definição de alvos típicos como bancos, supermercados, e automóveis importados. Qual o resultado lógico? A polícia descer o cacete, seja ela desmilitarizada ou não”.

“Assim – prossegue – converge para os Black Bloc um monte de ressentimento, frustração, agressão gratuita, de quem não tem compromisso nenhum, que vai para quebrar porque é legal quebrar. É um problema de cultura política”.

Para o professor, é difícil identificar o que quer o grupo. “É um anarquista que tem ideologia? Se for, concorde-se ou não, merece respeito. Mas não o cara que entra nesse meio e vai quebrar janela de banco porque acha legal, que é heroico”.

Na CartaCapital

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